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Fanatismo no Japão

28/06/2011

Um fenômeno que me chama a atenção no Japão é o crescimento do fanatismo religioso entre os brasileiros. Mesmo endividados, desempregados, sobrevivendo com o seguro desemprego, doam verdadeiras fortunas aos estelionatários da religião. Ouvi falar de casos em que o fiel teria que dizimar (verbo oriundo de dízimo, a contribuição “voluntária” que se faz à igreja) cerca de 270 mil ienes, mais de 3 mil dólares, à igreja como prova de fé.

Sempre fui o tipo de pessoa que defende a liberdade da pessoa escolher o culto que irá seguir. Se ela se sente bem, se a religião lhe conforta e lhe traz paz de espírito, qual o problema? Se a mãe, desesperada, inconsolável com a morte de seu filho, acredita que ele esteja junto de Deus, e se sente bem com isso, qual o problema? Conseguirei desconstruir com algumas simples palavras todo um estilo de vida calcado na crença religiosa? Impossível.

O problema reside no fanatismo, na “doença que é quase incurável”, segundo palavras de Voltaire. É difícil explicar as causas desse extremismo religioso. Poderíamos começar pela crise econômica que ainda não passou por aqui. Crentes (o verbo e não a pessoa) que ofertando o dízimo com fé, receberão tudo em dobro, contraem dívidas, vendem o carro, não pagam a mensalidade da escola dos filhos nem a conta do hospital. E mesmo assim, o tão esperado emprego não chega. Doam mais, pois a fé não fora suficiente. Deixam-se levar pela conversa leviana de muitos falsos pastores, para ficarem “a Deus dará”.

Uma outra explicação poderia advir da extrema carência por que passam os brasileiros aqui no Japão. Trabalhar por longas horas em serviços sujos, pesados e sem prestígio, além de desgastar a pessoa fisicamente, rouba-lhe o tempo para namorar, cultivar amizades ou mesmo se dedicar à família. Com baixa escolaridade, carentes de pessoas que lhe façam bem, buscam companhia naquilo que sobrou, Deus. Sim, em alguns casos somente Deus resta para essas pessoas. Emprego, família, amigos, escolaridade (e por consequência livros e até filmes) não preenchem quaisquer lacunas na vida destes infelizes. Mas Deus, que se encontrava escondido lá no fundo da alma, ressurge com grande imponência, e lhe mostra que o verdadeiro caminho é a fé. Somos gado ovino e precisamos irremediavelmente de alguém que nos pastoreie – não sabemos o verdadeiro caminho e podemos nos afastar. “O Senhor é meu pastor e nada me faltará”. Aquele que se converteu, que finalmente encontrou um caminho seguro por entre os lobos, tem tanta fé naquilo que faz, que busca também converter outras pessoas. É comum vermos em portas de algumas igrejas (sem citar nomes para não me comprometer hehe), como é forte a publicidade boca-a-boca. Entregam-lhe rosas, lembrancinhas de dia das mães, perguntam sobre as dificuldades, tornam-se seus companheiros, nem que seja por um breve instante.

Ao ganhar força, este grupo de fé e irmãos camaradas agora quer impor sua verdade para todos. Implantar uma ditadura de costumes é seu escopo camuflado. Falsos moralistas, “a religião, longe de ser para [eles] um alimento salutar, transforma-se em veneno nos cérebros infeccionados”, dizia Voltaire. Cheguei ao cúmulo de ter que escutar de uma criança que, ao condenar a atitude dos pais, acha errado “dar tudo para igreja e nada para os filhos”. Parece reclamação de criança mimada, mas não é, isso eu posso afirmar! Pais, que retiram os filhos das escolas brasileiras e matriculam-nas em escolas japonesas simplesmente para poderem doar mais e mais às igrejas. Algumas ficam inclusive afastadas das escolas em nome do dízimo. Conversem com essas pessoas sobre homossexualidade, política, evolucionismo, ateísmo para verem a reação – sua pessoa pode até ser citada em culto! “ Esses miseráveis têm incessantemente presente no espírito o exemplo de Aode, que assassina o rei Eglão; de Judite, que corta a cabeça de Holoferne quando deitada com ele; de Samuel, que corta em pedaços o rei Agague. Eles não veem que esses exemplos respeitáveis para a antigüidade são abomináveis na época atual; eles haurem seus furores da mesma religião que os condena.” [Voltaire, Dicionário Filosófico, verbete Fanatismo]

Afinar seu estilo de vida com o espírito filosófico seria a solução para Voltaire. Tenho minhas dúvidas. Como fazer isso? Como conseguir dialogar com pessoas que têm posturas tão radicais, que acreditam que suas vidas mudaram (para melhor) por causa da religião?! A lei parece realmente ser impotente mas pode ser um caminho. Constitui-se crime no Japão o ato da criança de até 15 anos não frequentar escola. Queria ter a coragem e a firmeza de denunciar esses criminosos, mas essa lei não vale para estrangeiros. Se a pessoa quiser dar tudo para a igreja e virar mendigo, o problema não é meu, é problema dela e que arque com as consequências. Mas os filhos não podem pagar por esse ato de estupidez. Sou adepto da ideia de que a educação pode resolver muita coisa, o espírito filosófico pode sim ser um poderoso aliado na luta contra o fanatismo, mas só resolve a médio e longo prazo, e essas crianças precisam de ajuda agora!

7 Comentários leave one →
  1. rod rocha permalink
    28/06/2011 19:49

    Marcelo, adorei seu texto! Eu tenho reparado nessa questão do fanatismo aqui no Japão, mas entre os japoneses mesmo. Como a universidade em que estou estudando é de uma seita budista, não tem como deixar de prestar atenção nisso. rs

    • 28/06/2011 20:21

      Só budistas podem estudar nessa faculdade? Ou os budistas dessa ramificação têm alguma predileção em estudar aí! Putz, a impressão que tenho dos japoneses é outra: meio budistas meio xintoístas e mais alguma coisa aí no meio.
      Abração!

  2. Marta Yoko Maruiwa (mãe da Celine) permalink
    28/06/2011 19:54

    Olá Marcelo, gostei muito de seu comentário sobre Fanatismo no Japão. Concordo com você e acho um absurdo o fato de muitos doarem suas poucas econômias em nome de Deus, como se fossem encontrar o caminho para a salvação de seus pecados ou até mesmo um lugar ao céu….
    O pior de tudo é saber que priorizam isso mais que sua própria família e filhos. Ao meu ver, falta conhecimento, cultura, amor próprio.
    A fé independe de religião, cada um tem o direito de escolher aquilo com a qual se identifica, como disse uma vez a um amigo…É a Fé em nós mesmo que fará toda a diferença !!.
    Pensamento positivo sempre, coragem para lutar por nossos objetivos e não desistir jamais . Força sempre !!!

    • 28/06/2011 20:23

      Marta, legal você aparecer por aqui!
      Eu também acho que religião nunca foi um problema em si. Mas fanatizar, a ponto de não se pensar mais no bem do próprio, considero contra as doutrinas do próprio cristianismo.
      ABração aew força para nós todos!

  3. 28/06/2011 20:10

    Muito bom o texto!
    Tenho vários amigos nessa situação: largaram a escola brasileira e foram para a escola japonesa porque os pais achavam mais “barato”, e assim, podiam doar mais dinheiro a igreja. Situação infeliz desses pais que preferem doar seu dinheiro (fruto de horas e horas nas fábricas) à igreja ao invés de investir mais na educação de seus próprios filhos.
    Outra coisa que me emputece, é que sempre que eu passo na frente de uma igreja brasileira aqui perto de casa , eu vejo um Porsche preto (isso mesmo! um Porsche preto modelo Carrera GT se não me engano) estacionada lá. Perguntei para um amigo meu (um dos citados acima e frequentador da tal igreja) de quem era aquela belezura, e ele me disse que era do Pastor! haha não aguentei e soltei um “Então é pra lá que o dinheiro da sua família vai?”. Me arrependi, o coitado ficou sem resposta.

    • 28/06/2011 20:26

      Putz, se eu tivesse vivenciado essa história, eu teria incluído no post. O crescimento da intolerância e fanatismo religioso é um fenômeno que acontece no mundo todo, mas no Japão vemos as peculiaridades.
      Abração aew Gus! Queria que você tivesse continuado com o blog. Seus comentários sobre música são sempre bem vindos. Outros também hehe. Que tal fazer um post, aproveitando que está de férias, sobre o seminário que apresentou sobre os X-men?
      Abração aew

      • 28/06/2011 20:52

        Eu já tentei continuar com o blog várias vezes, mas sempre fico sem idéias! Essa idéia do X-Men é boa, aproveitando que o filme novo ainda está nos cinemas!
        Eu estou “mais ou menos” de férias, eu tô com uns trabalhos aqui de design gráfico e afins
        Tô juntando dinheiro pra ir no Summer Sonic haha mas quanto ao blog, vou pensar! Talvez essa do X-Men seja um boa! valeu pela idéia prof!

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