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Alojamento onde fiquei em Nagoya

26/11/2011

 

 

Meu preconceito contra maconheiros

21/11/2011

 

Sérgio Buarque de Holanda, autor de Raízes de Brasil e pai de Chico Buarque (aposto que na verdade o limita e não o explica), fumava maconha. Carl Sagan, Oliver Sacks, Stephen Jay Gould também gostavam de fumar, e ainda tragavam! Mas, qual a relevância dessa informação? Para que serve saber se esses caras gostavam de puxar um fumo ou não? Na verdade nenhuma!

“Esses caras” escreveram livros que nenhum de nós, em nossa etapa mais sapiente e sóbria de nossas vidas, jamais sonharemos em escrever. Poderíamos falar, com alguma inveja, que eles roubaram as nossas ideias. Mas escrever de modo tão relevante como fizeram é quase impossível.

Se você, leitor,está pasmo, ou apenas surpreso com essa informação, agora entende como me sinto quando entrei para a Unicamp, a melhor faculdade de História do país. Eu, de cidade pequena, metido a ler, estudar, um nerd japa (ou japa nerd, tanto faz) do tipo tradicional (mas que gostava de cervejinha), indignado com pessoas que fumavam maconha e eram infinitamente mais inteligentes, cultos e legais que eu. Alguns (não todos!) fumavam inclusive todos os dias, mas, a meu despeito, liam muito mais, conheciam mais música, teatro e filmes do que eu. Outros, mestrandos e doutorandos, fumavam social ou diariamente, comiam bolo e brigadeiro “enmaconhados” e escreveram dissertações e teses lindas, que tive o prazer de ler e reconhecer o quão talentosos realmente eram.

Sérgio Buarque não fora um importante historiador, talvez o maior dentre os historiadores brasileiros, porque fumava maconha. Também desconheço a frequência com que usava. Mas, seus “embasados”, como costumava chamar os cigarrinhos, não enobreceram nem empobreceram seu trabalho. Não querem dizer simplesmente nada! Qualquer um pode tentar fumar maconha com autonomia ou não, e não será por causa disso que sairá escrevendo um novo clássico do pensamento brasileiro.  Não faço apologia às drogas e nunca incentivarei o seu uso – não é porque tal pessoa fuma maconha que se tornará um eminente pensador ou escritor. Mas gostaria de ver alguém da laia de Geraldo Alckmin, ou simplesmente haters semi-alfabetizados da internet, recomendando a Sérgio Buarque que o uso da maconha é prejudicial à saúde ou tachando-o de anti-democrata. Seria hilário, cômico e trágico.

Há também inúmeros outros autores que não fumavam – eram caretas (palavra detestável!) – mas que igualmente foram importantes para a história do pensamento brasileiro. Talvez essa seja a maioria, digo talvez. Gostaria de citar Gilberto Freyre e Caio Prado Jr., intelectuais do calibre de Sérgio, mas não tenho certeza se eles davam um tapa ou não, pois careço de informações. Certamente vocês poderiam citar às dezenas pessoas inteligentes que não fumam nem fumaram.

Fumar maconha não é sinal de que a pessoa seja mal-caráter, playboy ou mesmo anti-democrata. Três estudantes da USP foram presos porque foram flagrados consumindo a droga. Desde quando o consumo de entorpecentes voltou a ser crime no Brasil? Não existe um preconceito embutido nesse fato? Não estamos fazendo tempestade num copo d’água? O que significa o ato de um universitário, ou intelectual ou qualquer pessoa que seja, de fumar maconha. O que isso significa? Nada, simplesmente nada!

 

Para os haters de plantão, diga-se de passagem que não estou questionando o caso Usp, nem a legalização das drogas, nem a violência relacionada ao tráfico.

A história dirá que vencemos!

12/10/2011

Eu tenho um sonho.

Um sonho em que meus alunos vão um dia viver em um mundo onde não serão julgados pela cor da pele, sexo, orientação sexual, ou classe social, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho esse sonho hoje e batalho incessantemente para torná-lo realidade.

Nesse mundo, as pessoas não acreditarão que leis mudarão a sociedade, pois não haverá nada para se mudar. Não será necessária uma lei de cotas para igualar brancos e negros, pois não os veremos mais como diferentes. Não será necessário estabelecer que 25% dos candidatos de um partido sejam mulheres, pois ficará provado que política não tem relação com sexo, mas sim com honestidade e comprometimento com o povo.  Não será necessária uma PL 122, pois todos saberemos que gays e heteros são apenas palavras para enquadrar, limitar e controlar sexualidade humana, que é indomável.

Cem anos atrás, qualquer mulher de quase todo o mundo, tinha que viver às sombras de uma figura masculina: o pai ou o marido. Eis que surge o movimento sufragista , que defendia abertamente o voto feminino, e vemos acender o grande farol de esperança para milhões de escravas do-lar que estavam murchas nas chamas da injustiça.

Cem anos depois, a vida da mulher não é mais tão tolhida pelas algemas da segregação e as cadeias de discriminação. Cem anos depois, o espaço doméstico não é mais suficiente para a grandeza feminina, e um vasto percurso há de ser brilhantemente traçado em busca de igualdade de condições mas também respeito à diferença. Cem anos depois, a mulher não mais adoece nas cozinhas de suas casas e se encontram libertas para conquistar seu próprio espaço.

Assim, a exemplo das conquistas femininas e feministas, todos que ainda estão vivos  e desejam um mundo melhor deveriam se levantar e lutar contra todas as outras formas de preconceito que ainda  insistem em cercear a nossa liberdade e felicidade. Elas conseguiram, fizeram uma revolução, talvez a única vitoriosa do século XX, e mudaram o mundo. Todos conseguiremos.

Essas “batalhas” diárias não são fáceis, admito. Outro dia mesmo, discutindo a PEC 23/2007 com um amigo querido, os ânimos acabaram se exaltando e palavras lancinantes foram proferidas. Perdi a discussão, não consegui retirar-lhe o preconceito, que não fora acumulado apenas em sua tenra idade, vinte e poucos anos, mas por séculos de história que agora iremos enfrentar e vencer. Perdi o amigo que agora não que mais falar comigo. Perdi uma batalha. Estou profundamente triste!

Mas todos iremos vencer essa guerra. Não lutemos por nós mesmos – vamos derramar muito  suor e lágrimas num conflito que eximirá nossos corpos, almas e corações. Talvez não vejamos os resultados enquanto ainda estivermos vivos. Lutemos por nossos filhos, pelos filhos dos outros, netos, bisnetos que verão na liberdade uma possibilidade de viver plenamente, uma forma de alcançar a felicidade. O processo revolucionário está em marcha acelerada, mas ainda há muitos bastiões de intolerância que não serão facilmente transpostos nem derrubados. Sonho com um mundo que não precisemos lutar pelos direitos dos negros, das mulheres, dos gays, das minorias, pois o que prevalecerá serão os direitos humanos.

Um mundo melhor é possível!

Marcelo Cunita

“Eu tenho um sonho” – Discurso de Martin Luther King Jr. em 28/09/1963 (íntegra) texto e vídeo

11/10/2011

 

 

“Eu estou contente em unir-me com vocês no dia que entrará para a história como a maior demonstração pela liberdade na história de nossa nação.

Cem anos atrás, um grande americano, na qual estamos sob sua simbólica sombra, assinou a Proclamação de Emancipação. Esse importante decreto veio como um grande farol de esperança para milhões de escravos negros que tinham murchados nas chamas da injustiça. Ele veio como uma alvorada para terminar a longa noite de seus cativeiros.

Mas cem anos depois, o Negro ainda não é livre.
Cem anos depois, a vida do Negro ainda é tristemente inválida pelas algemas da segregação e as cadeias de discriminação.

Cem anos depois, o Negro vive em uma ilha só de pobreza no meio de um vasto oceano de prosperidade material. Cem anos depois, o Negro ainda adoece nos cantos da sociedade americana e se encontram exilados em sua própria terra.

Assim, nós viemos aqui hoje para dramatizar sua vergonhosa condição.

De certo modo, nós viemos à capital de nossa nação para trocar um cheque. Quando os arquitetos de nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição e a Declaração da Independência, eles estavam assinando uma nota promissória para a qual todo americano seria seu herdeiro. Esta nota era uma promessa que todos os homens, sim, os homens negros, como também os homens brancos, teriam garantidos os direitos inalienáveis de vida, liberdade e a busca da felicidade. Hoje é óbvio que aquela América não apresentou esta nota promissória. Em vez de honrar esta obrigação sagrada, a América deu para o povo negro um cheque sem fundo, um cheque que voltou marcado com “fundos insuficientes”.

Mas nós nos recusamos a acreditar que o banco da justiça é falível. Nós nos recusamos a acreditar que há capitais insuficientes de oportunidade nesta nação. Assim nós viemos trocar este cheque, um cheque que nos dará o direito de reclamar as riquezas de liberdade e a segurança da justiça.

Nós também viemos para recordar à América dessa cruel urgência. Este não é o momento para descansar no luxo refrescante ou tomar o remédio tranqüilizante do gradualismo.

Agora é o tempo para transformar em realidade as promessas de democracia.
Agora é o tempo para subir do vale das trevas da segregação ao caminho iluminado pelo sol da justiça racial.
Agora é o tempo para erguer nossa nação das areias movediças da injustiça racial para a pedra sólida da fraternidade. Agora é o tempo para fazer da justiça uma realidade para todos os filhos de Deus.

Seria fatal para a nação negligenciar a urgência desse momento. Este verão sufocante do legítimo descontentamento dos Negros não passará até termos um renovador outono de liberdade e igualdade. Este ano de 1963 não é um fim, mas um começo. Esses que esperam que o Negro agora estará contente, terão um violento despertar se a nação votar aos negócios de sempre.

Mas há algo que eu tenho que dizer ao meu povo que se dirige ao portal que conduz ao palácio da justiça. No processo de conquistar nosso legítimo direito, nós não devemos ser culpados de ações de injustiças. Não vamos satisfazer nossa sede de liberdade bebendo da xícara da amargura e do ódio. Nós sempre temos que conduzir nossa luta num alto nível de dignidade e disciplina. Nós não devemos permitir que nosso criativo protesto se degenere em violência física. Novamente e novamente nós temos que subir às majestosas alturas da reunião da força física com a força de alma. Nossa nova e maravilhosa combatividade mostrou à comunidade negra que não devemos ter uma desconfiança para com todas as pessoas brancas, para muitos de nossos irmãos brancos, como comprovamos pela presença deles aqui hoje, vieram entender que o destino deles é amarrado ao nosso destino. Eles vieram perceber que a liberdade deles é ligada indissoluvelmente a nossa liberdade. Nós não podemos caminhar só.
E como nós caminhamos, nós temos que fazer a promessa que nós sempre marcharemos à frente. Nós não podemos retroceder. Há esses que estão perguntando para os devotos dos direitos civis, “Quando vocês estarão satisfeitos?”

Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto o Negro for vítima dos horrores indizíveis da brutalidade policial. Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto nossos corpos, pesados com a fadiga da viagem, não poderem ter hospedagem nos motéis das estradas e os hotéis das cidades. Nós não estaremos satisfeitos enquanto um Negro não puder votar no Mississipi e um Negro em Nova Iorque acreditar que ele não tem motivo para votar. Não, não, nós não estamos satisfeitos e nós não estaremos satisfeitos até que a justiça e a retidão rolem abaixo como águas de uma poderosa correnteza.

Eu não esqueci que alguns de você vieram até aqui após grandes testes e sofrimentos. Alguns de você vieram recentemente de celas estreitas das prisões. Alguns de vocês vieram de áreas onde sua busca pela liberdade lhe deixaram marcas pelas tempestades das perseguições e pelos ventos de brutalidade policial. Você são o veteranos do sofrimento. Continuem trabalhando com a fé que sofrimento imerecido é redentor. Voltem para o Mississippi, voltem para o Alabama, voltem para a Carolina do Sul, voltem para a Geórgia, voltem para Louisiana, voltem para as ruas sujas e guetos de nossas cidades do norte, sabendo que de alguma maneira esta situação pode e será mudada. Não se deixe caiar no vale de desespero.

Eu digo a você hoje, meus amigos, que embora nós enfrentemos as dificuldades de hoje e amanhã. Eu ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no sonho americano.

Eu tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença – nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos, que os homens são criados iguais.

Eu tenho um sonho que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos desdentes dos donos de escravos poderão se sentar junto à mesa da fraternidade.

Eu tenho um sonho que um dia, até mesmo no estado de Mississippi, um estado que transpira com o calor da injustiça, que transpira com o calor de opressão, será transformado em um oásis de liberdade e justiça.

Eu tenho um sonho que minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver em uma nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje!

Eu tenho um sonho que um dia, no Alabama, com seus racistas malignos, com seu governador que tem os lábios gotejando palavras de intervenção e negação; nesse justo dia no Alabama meninos negros e meninas negras poderão unir as mãos com meninos brancos e meninas brancas como irmãs e irmãos. Eu tenho um sonho hoje!

Eu tenho um sonho que um dia todo vale será exaltado, e todas as colinas e montanhas virão abaixo, os lugares ásperos serão aplainados e os lugares tortuosos serão endireitados e a glória do Senhor será revelada e toda a carne estará junta.

Esta é nossa esperança. Esta é a fé com que regressarei para o Sul. Com esta fé nós poderemos cortar da montanha do desespero uma pedra de esperança. Com esta fé nós poderemos transformar as discórdias estridentes de nossa nação em uma bela sinfonia de fraternidade. Com esta fé nós poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, para ir encarcerar juntos, defender liberdade juntos, e quem sabe nós seremos um dia livre. Este será o dia, este será o dia quando todas as crianças de Deus poderão cantar com um novo significado.

“Meu país, doce terra de liberdade, eu te canto.

Terra onde meus pais morreram, terra do orgulho dos peregrinos,

De qualquer lado da montanha, ouço o sino da liberdade!”

E se a América é uma grande nação, isto tem que se tornar verdadeiro.

E assim ouvirei o sino da liberdade no extraordinário topo da montanha de New Hampshire.

Ouvirei o sino da liberdade nas poderosas montanhas poderosas de Nova York.

Ouvirei o sino da liberdade nos engrandecidos Alleghenies da Pennsylvania.

Ouvirei o sino da liberdade nas montanhas cobertas de neve Rockies do Colorado.

Ouvirei o sino da liberdade nas ladeiras curvas da Califórnia.

Mas não é só isso. Ouvirei o sino da liberdade na Montanha de Pedra da Geórgia.

Ouvirei o sino da liberdade na Montanha de Vigilância do Tennessee.

Ouvirei o sino da liberdade em todas as colinas do Mississipi.

Em todas as montanhas, ouviu o sino da liberdade.

E quando isto acontecer, quando nós permitimos o sino da liberdade soar, quando nós deixarmos ele soar em toda moradia e todo vilarejo, em todo estado e em toda cidade, nós poderemos acelerar aquele dia quando todas as crianças de Deus, homens pretos e homens brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos, poderão unir mãos e cantar nas palavras do velho spiritual negro:

“Livre afinal, livre afinal.

Agradeço ao Deus todo-poderoso, nós somos livres afinal.”

Amor à moda antiga – uma interpretação livre do quadro “Promenade” de Marc Chagall

07/10/2011

O fundo quase branco e a cidade, notadamente desproporcional, parecem colocar em alto-relevo o casal que protagoniza a cena. O homem (que alguns dizem ser o próprio Chagall, mas poderia ser qualquer um), de sorriso escancarado, exibe o motivo de sua felicidade. Segurando a amada como a um estandarte, parece dizer a todos que a ama muito e que faria qualquer coisa por ela. Em sua mão direita, um pássaro, talvez morto; na esquerda a companheira parece flutuar, voar. Ele abdica de suas próprias asas, sua própria liberdade, para viver esse amor, para fazer a felicidade da amada e parece dizer a todos que sente orgulho de fazer isso. O sorriso contido da mulher, além de felicidade, transmite também segurança; ela flutua, paira no ar, mas tem seu ponto fixo, sua pedra de sustentação, seu alicerce. Suas roupas parecem ser de gala, mas não se importam em beber um vinho sentados em uma calçada qualquer. O que importa é estar junto, estar com quem se ama, compartilhar momentos, viver uma vida só, mesmo que separados em dois corpos.

Triste história de um blogueiro

21/09/2011

Retirado do blog de meu querido aluno Igor Yoozen!

http://raciociniodiferente.blogspot.com

Purgatório dos brasileiros, inferno dos japoneses – a fábrica como local de trabalho

21/09/2011
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Chaplin e seus companheiros de trabalho em Tempos Modernos sequer imaginariam que dali a 80 anos, no Japão, o ritmo da linha de produção seria ainda mais frenético. Com leve sabor de nostalgia (ahhhh… como era lenta a esteira no passado!), nós, dekasseguis, sabemos exatamente o que são aqueles tiques nervosos, que nos fazem rir de nossa própria desgraça.

Estou exagerando um pouco, admito. Sabemos, no entanto, que as dores nas costas, nas mãos, pernas, cabeça, braços… enfim, serão temporárias e nos submetemos a isso para conquistarmos alguma segurança econômica. É o nosso purgatório – avarentos que somos ou fomos, pagamos na fábrica o nosso pecado hehe! Sabemos que tudo isso passará, e que o Brasil estará de braços abertos para nos receber assim que purificarmos nosso corpo e alma, não com óleo ungido e água benta,mas com óleo singer e graxa.

Entretanto, não são apenas os dekasseguis que sabem do que estou falando. Japoneses, muitos japoneses, de outro modo, passarão a vida inteira dentro desse tipo de fábrica. Recentemente conversei com um jovem formado no colegial que trabalha na mesma seção que eu e tem apenas 19 anos. Fiquei chocado quando ele me disse que foi a escola que lhe indicou aquele serviço (aqui no Japão as escolas de ensino médio têm também essa função, encaminhar o aluno para o mercado de trabalho ou faculdade). não sei ao certo o que pensar disso, mas a sensação é de revolta. Outros colegas japoneses reclamam diariamente de dores, e que o serviço é pesado e estafante. Um inferno de vida para uma aposentadoria longínqua.

Pensar em uma solução que não passe pela total reestruturação do sistema de trabalho, consumo e produção parece ser impossível. Nós, brasileiros, estamos aqui de passagem e exigir algo de nós parece improvável, para não dizer impossível… Japoneses conformam-se facilmente com a situação – bem, não sei o que fazer…

Rafinha Bastos não vale as “vadias” que “come”

01/07/2011

 

Depois de inúmeras críticas ao Rafinha Bastos, eu mesmo fui dar uma olhada nos seus tweets, para ver o quão babaca realmente era o pretenso comediante. Dele conhecia somente suas enfadonhas participações em Improváveis e sua declaração machista e insensível sobre amamamentação (o vídeo idiota está aqui!). Não foi necessário gastar muito tempo para topar com esse lamentável comentário.

Em primeiro lugar, as mulheres e homens que participaram da Marcha da Vadias não têm como principal reivindicação a liberdade de expressão. Isso é para Bolsonaros da vida que confundem esse direito, conquistado a duras penas, com espalhar preconceitos e atacar a dignididade de algumas minorias. Inclusive a Marcha da Maconha não tinha como bandeira a liberdade de expressão. Buscavam, em primeiro lugar, retomar o debate da descriminalização das drogas, que, infelizmente, alguns formadores de opinião recusam-se a participar.

A liberdade de expressão é apenas o meio que essas “vadias” utilizaram para chamar a atenção, clamar por reflexão e mudanças, exigir o fim de um preconceito já naturalizado em nosso cotidiano. A ideia de se organizar tal movimento não é brasileira, mas chegou aqui com força total. Recomendando cautela para evitar estupros, um policial de Toronto no Canadá sugere que as mulheres parem de usar roupas de vadias. Tal comentário, tão banal e correto para muita gente (preconceituosa, por sinal!), é o estopim para manifestações que tiveram réplicas em todo o mundo.

Coisas que causam o estupro:

(   ) bebida

(   ) andar só

(   ) roupa sexy

( X ) estuprador

Pois é, este é um cartaz da Marcha da Vadias e nos faz refletir sobre a postura idiota de muitos “machos” – a culpa do estupro é da própria mulher! “‘Nós, homens, que não conseguimos controlar o nosso próprio corpo, vontades e ações, podemos tomar à força o corpo da mulher, e transar quantas vezes desejar. A culpa é dela, se ela saiu com minissaia, blusinha ou está usando decote, é porque quer sexo, não estamos fazendo nada além do que satisfazendo a vontade da “vadia”. Puta quer mesmo é f.der, caso contrário sairia com roupas decentes, seria uma mãe de família recatada e não beberia! Tá andando sozinha?! É porque quer trepar!”’ Não é assim que pensam muitos supostos machos?! Quem nunca ouviu esse tipo de comentário?! Sinto-me envergonhado, mas eu mesmo já perdi a conta das inúmeras vezes que escutei algumas dessas filhadaputice (desculpem o preconceito embutido nessa palavra, mas não consegui achar palavrão melhor para caracterizar esse tipo de homem idiota!).

Essas mulheres exigem apenas o óbvio, mas nem isso parece ser direito delas. “Meu corpo, minha escolha”, diz um dos cartazes. Não seria óbvio acreditar que a mulher tem o direito (ou seria dever?) de escolher com quem iria transar? Segundo algumas estatísticas, 10 mulheres são estupradas por dia no Rio de Janeiro. Esse número seria ainda maior se incluíssemos as tentativas de estupro ou aquelas que não tiveram coragem de dar queixa na polícia. O pior é que alguns estupros são ainda cometidos no seio do lar, pelo pai, irmão ou tios e dificilmente essa criança tem consciência ou coragem suficiente para denunciar o familiar. “Meu corpo não é público” afirma outro cartaz. Putz, tenho vontade de chorar quando nós homens nem isso conseguimos compreender. Vergonhoso!

Alguns poderiam argumentar sobre o porquê de usar termo tão “chulo” para caracterizar tal reivindicação, que realmente é nobre, mas que não exige nada além do mínimo, do óbvio, do natural. Vamos refletir sobre esse caso sob a luz do movimento negro. Existem termos politicamente corretos como afro-descendente ou afro-brasileiro. Mas essas palavras bonitinhas simplesmente não refletem o conflito e tensão pela qual passa o negro, o crioulo, ou o mulato em seu dia-a-dia. O próprio MNU (Movimento Negro Unificado) usa NEGRO. NEGRO!!!! O dia 20 de novembro é da consciência negra, e não da consciência afro-descendente.  Palavras politicamente corretas são bonitinhas, mas disfarçam o preconceito. Usar o termo “vadia”, além de ironizar com o pensamento do policial canadense, mas que não é só dele, e sim de muitos homens por aí, afirma uma identidade cunhada nessa relação conflitante. Como se dissessem, “mesmo que seja ou não vadia, vocês, homens, não têm o direito de me estuprar!”

Não estou dizendo que Rafinha Bastos seja um estuprador, não é isso. Uma piada nada engraçada, típica de um comediante sem talentos, é mais uma prova de que o preconceito ainda é grande e que uma mudança de mentalidade está longe de acontecer. “Apóio a marcha das vadias. Eu mesmo já comi várias.” Se elas deram para você, é porque tiveram vontade, elas não fizeram nada além do que elas queriam. Mas, se foi contra a vontade delas, você deveria ser preso, pois “comer” alguém que não quer ser comido, é crime, mas certamente usar decote não é!

 

 

Quer saber o nível de piadas desse comediante? Leia a piada abaixo e tire as próprias conclusões:

“Toda mulher que eu vejo na rua reclamando que foi estuprada é feia pra caralho. Tá reclamando do quê? Deveria dar graças a Deus. Isso pra você não foi um crime, e sim uma oportunidade. Homem que fez isso não merece cadeia, merece um abraço”

 

Leia mais no blog Escreva Lola Escreva de Lola Aronovitch

O gueto brasileiro no Japão

30/06/2011

 

A comunidade brasileira no Japão é um gueto. Não como aquele de Cracóvia em que judeus eram mantidos à força em uma cidade encastelada. Mas um gueto cultural, em que o contato com nativos, e até mesmo com outros estrangeiros, é pouco frequente, ou até inexistente para algumas pessoas. A barreira da língua é implacável e dificilmente será transposta em pouco tempo.

Nós, dekasseguis, relacionamo-nos com japoneses somente em ambiente de trabalho, isto quando intérpretes e tradutores não fazem a intermediação da conversa.  Fazemos compras nos mesmos supermercados, nos divertimos nos mesmo lugares. Restaurantes  e lojas de produtos brasileiros fatalmente possuem, em sua maioria, clientes brasileiros. Revistas, jornais e redes de televisão específicas para uma população de cerca de 230 mil pessoas. Muitas escolas brasileiras e, quanto ao currículo, diferenciam-se muito pouco das escolas no Brasil – temos livros de chamada, material didático apostilado. Até o uniforme é muito parecido! Imaginem ensinar História e Geografia do Brasil para uma criança que não consegue nem imaginar o que seja zona rural. Somado a tudo isto, quando surge alguma dificuldade, contamos com vários intérpretes, sejam eles amigos ou profissionais (pagos por hora), que nos ajudam com serviços jurídicos, hospitalares ou quaisquer outros.

O exemplo da imigração japonesa no Brasil ensina-nos que essa situação não mudará tão cedo. Até hoje, vemos que o processo de integração (assimilação ou aculturação como preferem alguns) ainda não acontecera plenamente, diferente de outros grupos de imigrantes como italianos ou espanhóis, vistos como legítimos representantes do que é ser brasileiro. Não vou entrar no mérito da questão de se discutir isso aqui. O que eu quero dizer é que muitos isseis (a primeira geração, os imigrantes pioneiros), e até mesmo os yonseis (bisnetos dos pioneiros, a quarta geração) não são vistos como brasileiros, apesar de bastante inseridos no contexto social brasileiro. Se os brasileiros de olhos puxados ainda não conseguiram ser vistos como brasileiros em mais de 100 anos de história, como podem os dekasseguis fazer isso em pouco mais de 20?

Cerca de 3 anos atrás, participei de uma reunião com o chefe do departamento de assuntos estrangeiros da província de Gifu e fiquei realmente preocupado. Foi dito ali que muitos brasileiros realmente não estudam o idioma japonês, dado facilmente verificável quando se conversa com qualquer dekassegui. Eis que tal chefe, quase que exasperando, disse que se os brasileiros não querem aprender o japonês, é melhor que vão embora, pois, a longo prazo só trariam mais dificuldades para o país. Argumentei que a questão não era essa, pois como se pode estudar o idioma trabalhando mais de 12 horas por dia e com turnos alternados? Comentei que muitos isseis no Brasil, tiveram uma dificuldade imensa em aprender o idioma português, e que até hoje muitos não sabem. E por último disse que aqueles que não desejam retornar em pouco tempo ao Brasil, ou os que estão no Japão há mais de 10 anos, fazem sim um esforço imenso para conciliar estudo e trabalho, e hoje muitos são admiravelmente fluentes. Era uma conversa banal, nada importante, com representantes de várias organizações, como hospitais, agências de emprego, e eu, fui como professor de escola brasileira. Mas digo que é difícil conversar com caras que têm poder, e são inexoravelmente ignorantes e insensíveis à realidade dos estrangeiros.

Somos um gueto, não por vontade própria, mas por necessidade. Apesar de realmente acreditar que não somos unidos quando precisamos reivindicar, clamar por ajuda ou justiça, tenho a convicção de que a comunidade se ajuda quando necessário. Assim como alguns animais que, em ambientes hostis, vivem em grupos para se protegerem , nós também, de algum modo, nos protegemos.  O problema está quando competimos entre nós para ver quem fica com a mixaria, com as sobras, mas esse é assunto para outro post. Até lá!

Esquerda ou Direita? A atualidade de velhos conceitos

30/06/2011

Um violão direito nas mãos do canhoto. Nem sei quem é o louco da imagem, mas achei genial. Afinal, qual o significado para palavra "direita" quando se é canhoto? hehe

Se  tivesse vencido, Serra teria sido um presidente de direita, como foi acusado durante a campanha presidencial? O governo Lula foi de esquerda ou centro-esquerda? Qual o significado desses termos no cenário político atual? Muitos afirmam enfaticamente que tais conceitos não conseguem mais explicar a atual complexidade de nossa sociedade. No entanto, ao mesmo tempo em que vemos a pulverização de antigas ideologias antes consideradas de esquerda como o socialismo, parecem renascer, com novo rosto mas mesma alma, ideias tão discriminatórias que cheiram ao nazi-fascismo dos anos 30 e 40.

Com a difusão da internet, dos blogs, vlogs e twítteres, vivemos também um boom de pessoas que podem expressar livremente sua opinião. A grande imprensa, outrora controladora dos meios de comunicação, cede espaço a zé-ninguéns que, do conforto de seus lares, têm o poder de questionar, contra-argumentar ou simplesmente não aceitar a opinião de “grandes” jornalistas. “Blogs sujos”, expressão cunhada pelo ex-presidenciável José Serra, reflete bem esse comportamento. Período em que a revista Veja, de modo vexatório, atacava a campanha de Dilma Roussef, tais blogs buscaram a verdade factual, mostrar, sem deturpações, o que realmente havia acontecido. Quem não se lembra da bolinha de papel? (Vide post anterior). A atual presidenta, que não enfrenta, ou não consegue enfrentar a grande mídia, busca difundir a banda larga no Brasil, na esperança de que a “liberdade de expressão” seja agora realmente um direito de todos, e claro, também romper com uma época de atraso dos meios de comunicação.

Como todo ambiente próspero e progressita, a atualidade vive também suas contradições. A deturpação surge do fato de que todos podem aparecer e ter seguidores: nazistas, homofóbicos, machistas, elitistas e tantos outros “istas” ganham força. Sob o égide do anonimato (e também da impunidade!) podemos interneticamente expressar nossos preconceitos. Recentemente assisti a um vlog, que não merece divulgação, em que a própria homofobia teria vergonha das burrices ali pronunciadas. Bolsonaro comenta sexualidade na televisão, e eis que quase que automaticamente surgem manifestações contrárias mas também favoráveis na internet. Há quem comente que  seja necessário construir campos de concentração para nordestinos em São Paulo. Os males da terra da garoa adviriam da secura de migrantes nordestinos. Não seriam essas idéias xenófobas?

Não consigo pensar em exemplo maior de xenofobia que o massacre de judeus na Polônia durante a Segunda Guerra. Acusados de usurparem a região da Cracóvia, tais judeus deveriam ser varridos do mapa, purificando-se assim aquela região. Vivemos  um retorno monumental dessas ideias antes temerosas. Há quem diga que nunca saíram de cena… Não sei. Viu-se, durante as eleições, o medo e o horror à pobre. Nordestinos, “todos” pobres “de dinheiro e espírito”, por consequência mal-educados, não polidos, grosseiros, bárbaros, fedidos, etc deveriam ser mortos afogados. É culpa dessa gente que Serra não venceu. Ainda vivemos numa época em que os estereótipos tornam-se a regra, e a regra gera o preconceito. Lamentável.

Como afirmar que os termos direita e esquerda morreram? Sobre a velha esquerda, não ouso afirmar nada. Lula, outrora de discurso socialista, alia-se a Collor e Sarney. Antes disso, visando o poder e mais tempo no horário político, coligara-se com o Partido Liberal. Mas, a direita continua forte, sim, aquela velha direita excludente, assassina, nazi-fascista, está aí, saltando dos twítteres para a mente de nossos jovens e vice-versa. Queria ter o orgulho e a convicção de que o nazismo desaparecera, sumira do mapa com a derrota da Alemanha na Segunda Guerra. A antiga direita, antes representada por partidos políticos na Europa, não precisa mais de representação – basta criar uma conta no twitter e acompanhar alguns teimosos que insistem em ressucitar uma ideia já vencida, dando-lhe novas vestimentas,  e cirurgias plásticas, mas continuando com os mesmos ares excludentes e discriminatórios do passado. A direita continua forte, não como uma agremiação políticas, mas agora difundida pelos meios de comunicação dos quais quais a participação maciça é de jovens. A batalha que antes ocorrera contra grandes partidos, contra o monopólio dos meios de comunicação, agora atinge outro nível, tornando-se quase pessoal. Estamos perdendo essa guerra, o Brasil e o mundo caminhando novamente para uma radicalização, polarização de ideias: a direita e aqueles que não são de direita. Comofas? para reverter essa situação?